“Paz é a cidadania das mulheres”. Essa é a frase que abre o site da unidade brasileira da Associação Mulheres pela Paz, uma organização não governamental feminista, presente em 19 países, que implementa ações para a promoção da igualdade de gênero e Direitos Humanos. Sob a direção executiva de Vera Vieira, Doutora em Comunicação e Feminismos pela Universidade de São Paulo, a Associação atua a partir da premissa de que quando as relações de poder entre os sexos se tornam mais horizontalizadas, as mulheres podem exercer livremente sua cidadania, transformar o seu entorno e promover a paz cotidiana.
Essa não é uma ideia nova. No início do século passado a escritora sueca Ellen Key (1849-1926) já dizia que as mães eram seres pacifistas por natureza. Para Ellen, os laços das mulheres entre a guerra e a paz seriam diferentes daqueles desenvolvidos pelos homens porque elas são capazes de colocar crianças no mundo. Foi o que se chamou de “feminismo maternalista”.
A maneira encontrada pela Associação Mulheres pela paz é uma entre as diversas formas de expressão e de atuação feminista. “Convém sublinhar a heterogeneidade dos feminismos, daí a importância de sempre falar de feminismos no plural”, afirma Anne Cova, Doutora em História pelo Instituto Universitário Europeu de Florença. Para Anne, muitas são as possibilidades de definição do feminismo, afinal de contas, foram várias as ondas do movimento, sendo que cada uma delas abrangeu diferentes correntes. Ela admite, porém, que a reivindicação de igualdade entre os sexos é um critério fundamental para estabelecer qualquer definição. A historiadora atenta para o fato de que é também desse critério que surge uma importante pergunta: como falar em igualdade de gêneros sem levar em consideração a especificidade feminina da maternidade? “A maternidade está no centro do debate igualdade/diferença”, observa Cova.
Seja pelo viés da afirmação da igualdade ou pela exaltação da diferença, a maternidade foi muitas vezes a mola propulsora para que as mulheres arregaçassem as mangas em busca de seus direitos. Exemplo disso foram os movimentos que integraram a primeira onda do feminismo, que começou no final do século XIX e se estendeu durante toda a primeira metade do século XX. Nessa primeira fase as duas grandes guerras foram um ingrediente decisivo. Com os maridos em combate, as mulheres precisaram assumir as finanças das famílias e buscar condições de trabalho que lhes permitissem conciliar a função de profissional e de mãe. Assim, suas ações foram calcadas prioritariamente na busca pelo bem-estar social, embora não fosse só isso. “Elas reivindicavam, na sua maioria, a proteção da maternidade com a ideia de obter também outros direitos, tais como, o de voto. Ou seja, utilizavam a maternidade como uma vantagem para obter outros direitos”, esclarece Anne.
Para outros movimentos feministas, porém, a maternidade adquiriu o papel de vilã. É o caso dos movimentos feministas da segunda onda, que ocuparam as décadas de 1960, 1970 e o início dos anos 1980 do século XX, que questionaram o lugar da maternidade no cotidiano feminino. Foi nesse período que apareceram correntes que percebiam a maternidade como um entrave nas lutas de emancipação das mulheres, de liberdade e de igualdade de gêneros. A filósofa e historiadora francesa Elisabeth Badinter traduziu este sentimento como “a necessidade de desvinculação da maternidade do destino da mulher”.
As feministas da terceira onda, que correspondeu às décadas de 1980, 1990 e 2000, pareceram estabelecer uma relação mais harmoniosa entre a maternidade e o universo multidimensional da mulher. Para as mulheres que viveram este momento, maternidade e carreira profissional eram objetos de escolha da mulher e o período de gestação de um filho não deveria ser vivenciado de maneira distinta das demais fases da vida. A mulher da terceira onda deveria abraçar a maternidade sem se deixar englobar por ela. É o que afirmam as psicólogas Solange Maria Sobottka Rolim de Moura e Maria de Fátima Araújo em artigo publicado na Revista Psicologia, Ciência e Profissão, em janeiro de 2004, do Conselho Federal de Psicologia.
Mas o passo dado pela terceira geração em direção a um equilíbrio entre maternidade e os outros aspectos do universo feminino ainda está longe de resolver essa equação. Anne Cova adverte que é preciso ir além da separação entre natureza e cultura pois há uma tendência de promovermos hierarquias onde cultura pode se sobrepor à natureza, o mundo do trabalho reinar sobre a família e o político dominar o privado. “Não é sempre fácil distinguir nas experiências das mulheres o que é biológico, social ou cultural”, afirma